MEIO AMBIENTE
08 de outubro de 2020 | Governo do Estado de Rondônia
Tartarugas
põem ovos em ninhos na Praia Alta, no rio Guaporé; filhotes nascerão em
dezembro próximo
Dentro dos
próximos 60 dias nascerão milhões de filhotes de tartarugas (Podocnemis expansa) nas margens do rio Guaporé, na fronteira brasileira com a
Bolívia, em Rondônia. O fenômeno de reprodução do maior quelônio de água doce
da América do Sul é considerado um dos maiores do mundo e acontecerá nas praias
Alta, Ilha e Suja.
Ao amanhecer
de quarta-feira (7), em Praia Alta, Costa Marques, o secretário estadual do
Desenvolvimento Ambiental (Sedam), Marcílio Leite Lopes, e a chefe do
escritório regional da Sedam, Jéssica Torezani, ouviram monitores da Associação
Comunitária Quilombola e Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale), que zelam pela
reprodução. Eles relataram a ação de traficantes na região.
O rio
Guaporé tem mais de 50 quilômetros de praia. Lopes previu a ampliação da Área
de Preservação Permanente (APP) para Área de Preservação Integral, o que
possibilitaria a inclusão das praias dentro da extensão do Parque Estadual
Serra dos Reis, que tem o apoio do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia
(Arpa)*.
A vegetação
fechada da Área de Preservação Permanente (APP) ao longo das praias expõe um
cenário exuberante, quase intocável. No entanto, a reprodução das tartarugas
continua ameaçada pela ação de predadores animais e do ser humano.
“Pretendemos
conservar mais, melhorando a fiscalização nas estações de desova e eclosão, e
diminuindo a vulnerabilidade do quelônio”, anuncia o secretário da Sedam.
Marcílio Lopes prevê para breve o desenvolvimento de estudos técnicos de fauna
e o monitoramento de ecossistemas.
A desova
acontece de madrugada entre os meses de setembro e outubro, geralmente no mesmo
lugar onde elas nasceram, explica a chefe do escritório regional da Sedam em
Costa Marques, engenheira ambiental Jéssica. Tracajás (Podocnemis unifilis) também reproduziram nesse período. De madrugada, a
areia está menos quente, facilitando o fenômeno regido biologicamente pela
temperatura.
Uma
tartaruga adulta pode alcançar um metro de comprimento, pesando até 90 quilos.
A cerca de 700 quilômetros de Porto Velho, a reserva é também monitorada pelo
Ibama.
Mesmo com a
barriga carregada de ovos, a tartaruga é alvo de traficantes de animais. Como
testemunha a engenheira ambiental, aconteceram alguns furtos. “Levaram as
coitadas com ovos e tudo”, lamenta Jéssica.
Alvo tão
fácil quanta a tartaruga, o tracajá também se alimenta do plâncton fluvial,
porém, põe menos ovos – de 15 a 30 ovos a cada reprodução. Da mesma forma
que a tartaruga, a fêmea dessa espécie esburaca a margem do rio para camuflar o
ninho com lama e folhas. A incubação leva de 90 a 220 dias. Os filhotes têm
como característica manchas amarelas na região da cabeça.
O tracajá é
uma espécie de cágado muito comum na Amazônia, vivendo entre 60 e 90 anos em
habitat natural. A tartaruga pode alcançar cem anos. Quando adulto, chega a ter
45 cm de comprimento, com cerca de oito quilos de peso. Alvo fácil, o tracajá
geralmente é caçado durante a desova, quando está em terra firme, época em que
seus movimentos são mais lentos.
“Desde o século XIX, a fauna de quelônios diminui na região, e na década passada as tartarugas quase foram extintas”, informa Jéssica.
Secretário
Marcílio Lopes conversa com monitores da Ecovale, que diariamente percorrem as
praias da região
Cada
tartaruga põe aproximadamente cem ovos, porém, apenas 10% dos
ovos sobrevivem ao ataque de gaivotas, urubus, jacarés, peixes, além de
outros pássaros e aves.
É um
verdadeiro sacrifício essa procriação. A fêmea demora 25 anos para desovar. Na
eclosão, os filhotes que sobrevivem aos predadores caminham sozinhos até as
águas do rio.
Os filhotes
habitarão também os afluentes do rio Guaporé numa extensão de 1.400
quilômetros. As comunidades Santo Antônio e Santa Fé são praticamente o paraíso
da rica biodiversidade que inclui os quelônios.
Em 2020,
choveu pouco no atual período, e as fêmeas colocaram seus ovos em buracos de
quase um metro escavados pelas próprias patas na areia leve das praias do
Guaporé.
Segundo
Jéssica, de sábado para domingo (4) 1,5 mil tartarugas desovaram na região
protegida pela Ecovale. Na manhã desta quarta-feira, cerca de 40 animais
camuflavam os ovos na Praia Alta. “A Ecovale acompanha muito bem o ciclo
reprodutivo”, assinala a engenheira ambiental.
Animais
amparados por leis continuam sendo capturados para virar carne. O desafio de
enfrentar traficantes de animais caçados na região fronteiriça Brasil-Bolívia
revela a realidade que a Sedam pretende mudar em parceria com o Parque Estadual
Serra dos Reis. A Sedam deve pedir o apoio do Batalhão de Polícia Ambiental da
PM.
Versalles,
comunidade boliviana, também é parceira na preservação
AÇÕES CLANDESTINAS
“Caçadores
entram clandestinamente na praia, retiram a tartaruga e a deixam de ponta
cabeça escondida no mato para depois levá-la embora, às vezes, depois de dois a
três dias, exausta, o que configura um horrível flagelo animal que deve ser
punido”, diz Jéssica.
Duas semanas
atrás, 13 fêmeas foram apreendidas por um efetivo da PM em mãos de caçadores do
município de Costa Marques. Eles foram multados em R$ 500 cada um e indiciados
em inquérito criminal. O tráfico animal na região fronteiriça é feito desde o
século passado, atendendo ao paladar de diversas classes sociais. Pescadores
que usam redes também ameaçam a fauna.
Para este
ano, estima-se pelo menos 40 mil desovas, informa o presidente da Ecovale, Zeca
Lula. Ao contrário do ano passado, as águas do rio este ano baixaram,
formando-se bancos de areia. É comum pilotos e passageiros descerem das lanchas
para regular o motor e puxarem as embarcações por cordas.
No mês
passado, Zeca Lula lembrou que em 2019 foram soltos quatro milhões de
quelônios. O número de soltura no ano passado só não foi maior porque o rio
subiu muito rápido e não deu tempo de retirar em torno de dois milhões de
filhotes, que morreram dentro das covas, lembrou.
Ovos não
enterrados são alvo fácil de jacarés, gaivotas, urubus, gaviões e outros
pássaros predadores
SAIBA MAIS
► Quelônios são os representantes da Ordem Testudines (Classe
Reptilia), que inclui as tartarugas, os cágados e os jabutis. Possuem quatro
patas e o corpo é protegido por uma carapaça (córnea ou coriácea). São onívoros
e ocupam vários tipos de ambientes, incluindo o marinho e continental (água
doce e terrestre). Possuem importante significado sociocultural para muitas
regiões do Brasil, especialmente para as comunidades indígenas e tradicionais.
[Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio]
►O tráfico de carne e
ovos dessa
espécie é estimulado pelo alto valor — uma tartaruga adulta pode custar de R$
800 a R$ 1 mil no mercado ilegal. A espécie é dispersora de
sementes, ajuda na limpeza dos rios e é fonte de alimento para os
ribeirinhos. Por isso, sua extinção pode causar diversos problemas para o
ecossistema [Revista Galileu].
► O Arpa é um programa do Governo Federal, coordenado pelo Ministério
do Meio Ambiente, gerenciado financeiramente pelo Fundo Brasileiro para a
Biodiversidade e financiado com recursos do Global Environment
Facility (GEF), por meio do Banco Mundial, do Governo da
Alemanha, Banco de
Desenvolvimento da Alemanha (KfW), WWF-Brasil, e Fundo Amazônia,
via BNDES, Fundação Gordon e
Betty Moore e grupo privado Anglo American. É o maior programa de
conservação de florestas tropicais do planeta e o mais expressivo ligado à
temática das Unidades de Conservação no Brasil. Atualmente encontra-se na
terceira fase, iniciada em 2014.
Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Frank Néry
Secom - Governo de Rondônia